Os Timbiras eram antropófagos, pois acreditavam que através do consumo da carne de um prisioneiro, assimilariam sua bravura e coragem.
Canto II
Narra a festa canibalesca dos Timbiras e a angústia do prisioneiro Tupi que será sacrificado.
Em fundos vasos d’alcaventa argila
ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
reina o festim.
O prisioneiro cuja morte anseiam,
sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no acaso
jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo,
mostra-lhe o fim
Da vida escura,
que será mais breve do que festim!
A partir do canto II, para descrever a coragem do guerreiro Tupi, com a promessa de glória na vida após a morte, o ritmo se altera abruptamente. Alfredo Bosi afirma que “no poemeto, a crítica, unânime, tem admirado a ductilidade dos ritmos que vão recortando os vários momentos da narração. ” (BOSI, 2006, p. 113).
Logo, o poeta intercala versos decassílabos com tetrassílabos, o que sugere o prelúdio de um ritual com rufar de tambores.
Canto III
Apresentação do guerreiro Tupi. Narra-se o desfile do Timbira responsável pela execução do prisioneiro.
Em larga roda de noveís guerreiros
Ledo caminha o festival Timbira,
A quem do sacrifício cabe a honras,
Na fronte o canitar sacode em ondas,
O enduape na cinta se embalança,
O poeta volta a usar o decassílabo (com irregularidades), mais uma vez num ritmo mais lento, sem se preocupar com rimas e estrofação.
O canto termina com a ordem de que o prisioneiro entoe suas últimas palavras, como observamos no trecho a seguir:
Vem a terreiro o mísero contrário;
Do colo à cinta a muçurana desce:
"Dize-nos quem és, teus feitos canta,
Ou se mais te apraz, defende-te”. Começa
O índio, que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz os ânimos comove.
Canto IV
O guerreiro Tupi declama seu canto de morte.
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros descendo
Da tribo Tupi.
E suplica aos Timbiras que o deixem ir para cuidar do pai cego e enfermo.
Ao velho coitado
De peras ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? – Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixa-me viver!
Os versos pentassílabos, num ritmo mais ligeiro, remetem novamente ao rufar de tambores. As estrofes (com exceção da primeira) têm oito versos (octossílabos) e as rimas seguem o esquema AAA (paralelas) e BCCB (intercaladas).
Canto V
Ao escutarem a súplica do guerreiro Tupi, os Timbiras interpretam aquilo como sendo um ato de covardia e, desta maneira, inabilitam-no para o sacrifício.
Soltai-o! – diz o chefe. Pasma a turba;
Os guerreiros murmuram: mal ouviram,
Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!
Brada segunda vez com voz mais alta,
Afrouxam-se as prisões, a embira cede,
A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo, (...)
Dando a impressão do conflito que se instaura entre o chefe Timbira e o guerreiro Tupi, o poeta altera os decassílabos para versos mais livres. Não há preocupação com estrofes e rimas.
Canto VI
Representa o diálogo entre o prisioneiro e o velho tupi. Diálogo este que reproduz a contraposição das vontades dos personagens no qual se revelam atitudes contraditórias para intensificar a tensão dramática da obra.
O diálogo transmite o embate entre o desejo do índio tupi em omitir o ocorrido e o desejo de seu pai em descobrir o motivo de sua demora.
– Filho meu, onde estás?
– Ao vosso lado;
Aqui vos trago provisões; tomai-as,
As vossas forças restaurai perdidas,
E a caminho, e já!
– Tardaste muito!
Não era nado o sol, quando partiste,
E frouxo o seu calor já sinto agora!
– Sim, demorei-me a divagar sem rumo,
perdi-me nestas matas intrincadas,
reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;
Convém partir, e já! (...)
– Mas tu tremes!
– Talvez do afã da caça...
– Oh filho caro! (...)
Gonçalves Dias utiliza o verso decassílabo juntamente com passagens mais ou menos livres. Não há preocupação com rimas e estrofes.
Canto VII
Dá-se continuidade ao diálogo, porém, neste, encontra-se um diálogo entre o velho Tupi e o chefe Timbira. Aquele, expressa sua vontade em manter o ritual consagrado e este, sua rejeição, pois, tal ato, depreciaria a conquista de seus guerreiros que não fazem de pasto aqueles que não se elegem heróis
Eu porém nunca vencido,
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho, e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
E a muçurana ligeira:
Em tudo o rito se cumpra! (...)
– Nada farei do que dizes:
É teu filho imbele e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue:
– Ele chorou de cobarde;
Nós outros, fortes Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto.
O autor utiliza o verso heptassílabo (redondilha maior). A estrofação e as rimas são livres.
Canto VIII
Este canto é composto por um monólogo – fala do velho índio Tupi. Profere a terrível maldição contra o covarde guerreiro.
Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
O verso utilizado neste é o eneassílabo (nove sílabas), distribuindo-os em oitavas. Suas rimas são alternadas e paralelas (ABACDEEC), deixando sempre dois versos soltos.
Canto IX
Constitui no ponto culminante do conflito. Enfurecido, o guerreiro Tupi lança seu grito de guerra e derrota a todos valentemente em nome de sua honra.
Isto dizendo, o miserando velho
A quem Tupã tamanha dor, tal fado
Já nos confins da vida reservada,
Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
Da sua noite escura as densas trevas
Palpando. - Alarma! alarma! - O velho pára!
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. - Alarma! alarma!
- Esse momento só vale a pagar-lhe
Os tão compridos trances, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram
O poeta utiliza o verso decassílabo. A estrofação e rimas são livres.
Canto X
No décimo canto ocorre o desfecho do poema. Conta-se os costumes indígenas através da memória do velho índio. Recorda-se o canto de morte do jovem guerreiro lembrado pelo velho Timbira.
Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: - "Meninos, eu vi!
"Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nest’hora diante de mi.
Os versos alternam em hendecassílabos (onze sílabas) e em pentassílabos (redondilha menor). As estrofes são empregadas em sextilhas e as rimas obedecem ao esquema AA (paralelas) e BCCB (opostas e intercaladas).
CARACTERÍSTICAS DA OBRA
De acordo com os mais renomados críticos literários da atualidade, o poema épico-dramático “I-Juca Pirama” é o que mais representa a nacionalidade brasileira, bem como é um dos mais elaborados poemas do Romantismo brasileiro.
O professor, sociólogo e crítico literário Antônio Cândido afirma que “I-Juca Pirama é dessas coisas indiscutidas, que se incorporam ao orgulho nacional e à própria representação da pátria” (CÂNDIDO, 1959, p. 56).
A referida obra é pertencente à 1ª geração romântica, na qual tinha como umas das principais características a exaltação do índio na qualidade de herói nacional. É narrada em 3ª pessoa por um velho Timbira que relata às gerações posteriores as proezas de um guerreiro Tupi. O narrador é onisciente.
É importante ressaltar que o título “I-Juca Pirama” não diz respeito ao nome do índio aprisionado pelos Timbiras; seu nome é um mistério no poema. O título vem da língua tupi e significa “o que há de ser morto e que é digno de ser morto”.
No que diz respeito ao espaço/tempo, o autor não faz menção ao lugar e tempo exatos em que se passa a história. Porém, percebe-se que a época é a da colonização portuguesa, na qual os índios já estavam sendo dizimados pelo homem branco.
O poema é composto por quatro personagens, sendo eles: o guerreiro Tupi, típico herói romantizado, perfeito, puro e sem mácula; o velho índio Tupi, pai do guerreiro; os Timbiras, índios ferozes e antropofágicos e, finalmente, o velho índio Timbira, narrador e personagem ocular da história.
A apresentação da morte voluntária de um dos últimos descendentes Tupi como resultado do conflito entre os preceitos do heroísmo do guerreiro e a devoção filial envolvem a temática da obra. O guerreiro, munido de um forte sentimento de honra, simboliza sua própria força natural e sua alta cultura acerca de seu povo.
Em suma, ao terminarmos a abordagem de “I-Juca Pirama”, fica evidente que o poeta Gonçalves Dias nos revela a força da representação de uma terra e seus habitantes, instruindo-nos sobre seus costumes, rituais e cultura. Desta forma, o autor acaba por recriar, através de sua poesia, o surgimento da nação brasileira.
BIBLIOGRAFIA
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura
Brasileira. 49ª ed. Cultrix, SP, 1994.
BUENO, Silveira. Mini Dicionário da Língua Portuguesa.
2ª ed. Editora FTD S.A, SP, 2007.
CÂNDIDO, Antônio. O Romantismo no Brasil. 2ª ed. Humanistas, SP, 2004
DIAS, Gonçalves. I-Juca
Pirama. Google, Inc., 2013. Disponível: https://books.google.com.br/books?id=NYNcAAAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=ptBR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=falseAcesso
em: 23 de março de 2015.
MASSAUD, Moisés. Literatura Brasileira Através
dos Textos. 25ª ed. Cultrix, SP, 1971.
RONCARI, Luiz.
Literatura Brasileira: dos primeiros cronistas aos últimos românticos.
Editora USP, SP, 1995.